22 de dez. de 2008

7 de nov. de 2008

PESCARIA

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Pescaria
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Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.
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Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.
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As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.
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As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.
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Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.
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Cecília Meireles
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Do livro : Ou isto ou aquilo - Editora Nova Fronteira
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Essa postagem faz parte da blogagem coletiva HOJE É DIA DE CECÍLIA !

24 de out. de 2008

BLOGAGEM COLETIVA: HOJE É DIA DE CECÍLIA!


Photobucket

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O dia 7 de novembro marca mais um aniversário do nascimento da escritora Cecília Meireles. O blog NA DANÇA DAS PALAVRAS deseja comemorar esta data distribuindo a poesia de Cecília pela blogosfera com a blogagem coletiva: HOJE É DIA DE CECÍLIA!

Clique no selinho e participe também dessa festa !

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28 de mai. de 2008

PAISAGENS SECRETAS: MEMÓRIAS DA INFÂNCIA

Paisagens Secretas: memórias da infância
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Margarida de Souza Neves
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“Tudo no mundo é duplo: visível e invisível
O visível, de resto, interessa sempre muito menos.”
Cecília Meireles: Olhinhos de Gato
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Fragmentos de uma infância contada
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Nas bibliotecas de centenas de escolas brasileiras, assim como nas Bibliotecas Públicas de todo o país, as crianças leitoras encontram, desde sua primeira edição em 1980, o livro Olhinhos de Gato (MEIRELES: 1980.). A autora, Cecília Meireles, alguns já conhecem das antologias lidas em sala de aula. Certamente para um grupo desses leitores infantis, o nome de Cecília está associado à descoberta da poesia, uma vez que para não poucas crianças foi nas páginas de Ou isto ou aquilo (MEIRELES: 1977. ) que a magia da palavra poética se revelou.Caso os pequenos leitores tenham entre mãos a primeira edição de Olhinhos de Gato, com linda capa da Maria Cristina Simi Carletti em que uma menina aparece no limiar entre a intimidade do universo doméstico, representado pelas flores de um papel de parede antigo, e o arco-íris de cores do mundo exterior, aprenderão, na contracapa do livro, que as páginas que escolheram para ler possuem o dom de fazê-las voar “com Olhinhos de Gato numa viagem de emoções sentidas no fundo do coração” por “um mundo de sonhos, medos, alegrias, dores e fantasias... A Infância” (MEIRELES: 1980).É discreto o para-texto dessa primeira edição em livro das memórias infantis de Cecília: os treze capítulos são apenas numerados e, além da contra-capa em queos editores resumem o livro como uma viagem onírica, somente uma breve Nota do Editor esclarece que os textos que compõem o livro foram publicados anteriormente, ao longo de dois anos, numa revista portuguesa; que os personagens ocultos sob curiosos pseudônimos são reais e povoaram o universo infantil da autora; e que Cecília-menina aparece na narrativa sob a máscara da personagem título. Caso a criança escolha para ler uma das edições mais recentes do livro
[2], o para-texto é mais complexo. Na capa negra, uma montagem fotográfica um tanto assustadora mostra um rosto, metade menina, metade gato. Na contra-capa, é outro o resumo do livro apresentado:
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“uma narrativa intimista, com muita musicalidade e poesia. É a vida de Cecília Meireles, relatada como num diário de adolescente. Você conhecerá as alegrias, as tristezas e as experiências de uma pessoa que tão bem soube expressar um pouquinho de todos nós.” (MEIRELES: 1983).
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Continue lendo em :

25 de mai. de 2008

25 DE MAIO: DIA INTERNACIONAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DESAPARECIDOS

Fotografia de Leonor Cordeiro

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(...) Mas por que desaparece tanta gente, todos os dias, em redor de nós, sem que possamos admitir que esses desaparecimentos sejam de origem lírica?
Ouço pelo rádio as famílias, os amigos, os conhecidos que indagam, inquietos, que reclamam, descrevem, dão sinais, indicam pistas. Há desaparecidos de todas as idades e cores, e ambos os sexos, das mais variadas condições sociais: quem tiver notícias de seu paradeiro é favor informar às pessoas aflitas que os procuram.
Mas quem vai saber o paradeiro da mocinha de blusa cor-de-rosa e saia amarela que, assim colorida, bateu asas sem se despedir dos parentes? Quem viu o menino de blusão verde e sapatos novos que saiu de casa pela tardinha e lá se foi andando – e irá andando enquanto tiver boas solas nos sapatos – por muito que os pais inconsoláveis o estejam chorando e os vizinhos não possam entender tamanha ingratidão? Que foi feito da velhinha, um pouco desmemoriada, que saiu para a missa e depois entrou por um caminho desconhecido, com seu vestido cinzento, sua bolsinha de verniz e duas travessas no cabelo?
Há os desaparecidos recentes: de ontem, da semana passada, de há um mês ou dois. Assim mesmo recentes não se encontram vestígios seus em parte alguma. Foram raptados? Ficaram debaixo do trem? Subiram para algum disco voador? Afogaram-se? Partiram para o secreto paraíso onde não querem ser importunados? Embarcaram para Citera? Quem sabe o que lhes aconteceu?
Mais comoventes, porém, é a busca de desaparecidos antigos: “procura-se uma conhecida que há três anos não se encontra...” Para onde foi a jovem Marília que há cinqüenta anos disse que ia trabalhar no Rio de Janeiro?... Que é feito do rapaz moreno, com um sinal no queixo, que usava um cordãozinho de outro com a imagem de São Jorge?
Todas essas pessoas e muitas outras estão sendo procuradas, pacientemente, com anúncios pelos jornais e nas emissoras. Uma incansável busca. Gente de todos os Estados do Brasil, gente com vários compromissos: eram noivos, eram chefes de família, eram donas-de-casa.. Gente miúda, que não se esperava desse capaz de meter-se em aventuras: meninotas e rapazinhos em idade escolar; mocinhas que pareciam tímidas e assustadas, moços ainda sem emprego...
(...) Mas os afetos vigilantes continuam, inconformados, a recordar os ausentes – todos os dias novos, todos os dias mais numerosos – e, por humildes lugares, famílias tristes cultivam longos canteiros de saudades.
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Trechos da crônica - GENTE DESAPARECIDA

(Cecília Meireles. Escolha o Seu Sonho - Editora Record, p.43-45 )

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Você sabia que o Brasil registra mais ou menos 40 mil desaparecimentos de crianças e adolescentes por ano?
Você sabia que aqui não existe uma rede ou cadastro nacional para registrar informações dos desaparecidos?
Você sabia que não há comunicação entre a polícia militar, civis e federal, em relação ao desaparecimento de uma criança?
Precisamos criar no Brasil o ALERTA AMBER .
Esse vídeo vai explicar para você o que é o ALERTA AMBER:
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Você pode participar do MOVIMENTO PELA CRIAÇÃO DO ALERTA AMBER NO BRASIL assinando a petição que será encaminhada à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal . CLIQUE AQUI PARA ASSINAR !

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12 de abr. de 2008

A CASA QUE MARCOU A MINHA HISTÓRIA ...

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Para comemorar o segundo aniversário do nosso bloguinho, os adultos estão participando de um desafio: " Nossa querida Cecília escreveu uma crônica chamada 'Casas Amáveis". Leia essa crônica e faça um depoimento sobre a casa que marcou a sua história. Se o seu depoimento for o escolhido por nossa comissão julgadora, você ganhará um livro da Cecília no dia 24 de abril."
Conheça as histórias que já chegaram:
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MEMÓRIAS DA CASA DE INFÂNCIA
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Numa vila... bem pequena. Numa rua... das poucas a mais povoada de casas. Numa quadra... a dos velhos casarões. Num terreno... grande, ladeado de árvores ornamentais e frutíferas. Lá estava ela, a minha casa, aquela de onde guardo nos recônditos de minha memória, as mais ternas lembranças da minha infância. Era uma casa imponente, não pela beleza, nem pelo tamanho, mas pela cor. Lembro-me que meu pai, depois de uma chuva de pedra que pontilhou sua pintura, pintou-a numa cor verde água, chamava a atenção.
De arquitetura italiana, a velha casa tinha um porão que servia para guardar mantimentos, estoque das safras de feijão, arroz e milho que meu pai colhia, era também um depósito de quinquilharias de minha mãe... era o local preferido por mim e pela meninada da rua para brincar de “casinha”. Saíamos de lá espirrando, o local úmido provocava alergias, mas mesmo assim não deixávamos de brincar nele, acho que aquele amontoado de coisas e a penumbra por não ter janelas atiçava nossa imaginação.
Dois pés de pêra deram sabor e embalo aos meus sonhos de criança. Minhas tardes eram preenchidas com as brincadeiras na balança feita de cordas, e pelo sabor das frutas suculentas que escorriam pelo canto da boca a cada mordida.
Nos fundos e na frente da casa, duas áreas grandes, assim eram chamadas as varandas cercadas de madeira, naquela época. Lembro-me de quando meu pai mandou construir a primeira, uma das lembranças mais antigas que guardo. Enquanto os homens trabalhavam, eu, na parte já construída, desenhava com o lápis de pedreiro, acho que esses foram meus primeiros rabiscos e permaneceram ali durante muito tempo, na madeira branca da grande varanda, até que a chuva e o tempo aos poucos fossem fazendo com que desaparecesse.
Do lado da rua de cascalho, ficava o cartório onde meu pai trabalhava, ele era “entendente”, uma profissão em extinção, eram como eram chamados os administradores de vilas ainda não emancipadas, uma espécie de prefeito sem tanta pompa, e também onde cumpria com suas funções de escrivão. Essa era a parte da casa que eu mais curtia. Sentada numa cadeira estofada de rodinhas e com uma caneta e um livro na mão vivia meus momentos de adultisse precoce. O duro era agüentar seus sermões quando desaparecia alguma coisa. Quando ele me olhava com sua testa franzida e olhar sisudo eu já sabia do que se tratava.
Casa humilde, o banheiro ficava do lado de fora, chuveiro de água fria, os banhos no inverno, um teste de coragem. As vezes, quando em dias de frio intenso, minha mãe colocava água quente em uma banheira e a gente ficava feliz por poder tomar um banho mais demorado. Minha mãe, aliás era mestre nisso, ela sabia transformar as durezas da vida em verdadeiras lições de amor.
Os dias de vendavais e de chuva forte eram os mais temidos pela minha mãe, a casa velha de madeira ruía sob o alentado vento. Mas ela permaneceu firme por muito tempo ainda...
Até o dia em que foi demolida e cedeu lugar à uma casa mais moderna. Nesse tempo a gente já havia mudado. Fomos morar na cidade... meu pai construiu uma casa grande, bem mais confortável, mas que apesar disso, nunca trouxera o aconchego e a alegria da primeira, acho que as casas têm alma e a velha casa de porão, essa tinha uma alma iluminada.
Memórias nunca são fáceis. As vezes, transformadas em tristezas, noutras, em saudade...
Da velha casa de madeira, sobrou apenas um retrato na parede e as lembranças na minha mente que me trazem o gostinho e a saudade da minha infância. E aí, ela continua ainda linda, imponente, aconchegante, iluminada...
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O SOBRADINHO DAS PULGAS
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Em minha casa que não era minha, porque era alugada, e como menina de oito anos eu achava que aquilo era especial, principalmente, quando minha mãe preencheu a ficha na escola nova para a qual eu acabava de ser transferida junto com a mudança de casa. Enquanto a maioria das mães das crianças respondia “casa própria” à secretária da escola – a minha respondeu “alugada”. Talvez fosse por isso, pensava eu, porque era diferente das tais “casas próprias”, que aquele sobradinho que meus pais chamavam de moradia transitória, enquanto a casa nova não era construída, tivesse gosto de liberdade e brincadeiras de rua com os amigos novos. Depois de morar em um apartamento sem área de lazer até então, o sobradinho descorado de janelas de madeira velha pintadas de verde, da vila na rua arborizada com lindos jardins pareceu-me o paraíso... Nem me importei com o batalhão de pulgas que habitava o local e se recusava a sair de lá. Também não liguei para os tacos soltos, o chuveiro quebrado e os detestáveis banhos de caneca para economizar energia, e sequer reparei no esgoto que às vezes borbulhava pelo ralo da tenebrosa área de serviço, onde o piso de cimento e tudo o mais parecia ter mais de cem anos. Lembrei-me de meus livros de histórias de fadas e achei que tudo aquilo passaria se eu poderia transformá-lo em um sobradinho bonito, assim que eu descobrisse o segredo do poder das fadas. Para conseguir isso me faltava pouco... Teria que vender os convites para a próxima quermesse da escola para os vizinhos, e conseguir ganhar o prêmio: um livro de contos, que me revelaria a magia!
O tempo passou e as pulgas não se foram... A mudança para a casa em construção era sempre adiada. No entanto, eu vivia feliz, porque ganhara muitos amigos para brincar na pacata rua da vila, e também na sala de tacos soltos. O que importava para nós, as crianças, era a alegria que tínhamos em estar juntos e descobrir brincadeiras novas. A fada dos livros, de certa forma, me ensinou a magia para transformar o velho sobrado de janelas verdes capengas, na casa encantada com as janelas sempre abertas para a amizade.
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Madalena Barranco
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Ah... a minha casa!
No alto do morro, onde se vê o céu, se ver o mar, lá estava ela...verde escura, um passeio onde brincava de amarelinha.Era a minha casa, pequena, aconchego, lar.
Nas noites de lua cheia sentávamos à porta para brincarmos sob a luz da lua. Dali via a cidade por cima, ouvia as músicas que vinham de longe, escutava a procissão que vinha da Catedral. Em meus sonhos de menina, minha casa era meu castelo, que ficava tão alto, tão alto, que só mesmo um príncipe encantado para chegar aqui...
O tempo foi passando, a casa foi modificando, ajeitando aqui, aumentando ali e hoje é uma casa imensa... Mas até hoje, quando sonho com o passado, é a casinha verde que se aconchega em minhas memórias. Saudades verdinhas...
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Era uma casa novinha, ainda não terminada, mas, como o dinheiro era pouco, entramos nela assim mesmo.
Fui acompanhando suas melhorias: um dia, as janelas de vidro, clarinhas e lindas; outro dia, o piso de cerâmica vitrificada, coloridos, acompanhando a cor das paredes, como tinha que ser naquela ocasião. Tudo bem colorido e alegre. Cada cômodo tinha seu brilho próprio. Aos poucos, a casa foi terminada. Aconchegante e feliz.
Mas meu tesouro era o quintal, com aquele barranco nos fundos, onde havia até uma caverna, que para mim, era imensa. Ali era meu castelo de princesa, minha oca de índia, meu salão de beleza, minha cozinha de onde saíam algumas comidinhas, que delícia!
Assim, vi o tempo passar e a casa transformar-se em saudade quando dela me mudei para minha própria casa; meu castelo encantadado onde sou uma rainha muito feliz ao lado do meu rei e de três lindos príncipes!
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Eliane
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Eramos íntimos, embora eu menino, travesso e ela senhora, cansada pelo tempo, cheia de uma sabedoria que eu desconfiava vir pelas janelas tantas. Senhora ampla de aposentos feitos por mãos negras e puras, cercada por um pomar adocicado e com aroma que a mim na época, pareciam parar o tempo; na cozinha o fogão de lenha não tinha descanso, os quartos iluminados por lamparinas, e protegidos pela capela e pela serenidade que descia da serra.
Sim, éramos íntimos, embora ela tão maior que eu, tão secular e eu tão menino, sem perceber aprendia a cada dia, em cada som de cada aposento, os sentimentos diversos de que a vida era composta, alí fui feliz, fui menino, fui dono de meus sonhos, e ela protetora de meus medos e de minhas fantasias, ali o menino cresceu, só depois de muito tempo, eu homem maduro, e ela já sem vida, percebi que agradecer já não podia, a casa em que semeou no menino a semente da poesia.
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A casa que marcou minha história já não existe mais.
Na verdade não era uma casa e sim uma fazenda enorme. Tinha aproximadamente uns dezoito cômodos distribuídos na parte superior da construção, debaixo do assoalho eram guardadas ferramentas agrícolas, móveis antigos e muitas aranhas.
O chão era de madeira de lei, um dos crimes contra a natureza sobre os quais também temos nossa parcela de responsabilidade, mesmo que herdadas.
Era enorme, e como alguns diziam, mal assombrada. Nela viviam meus avós desde que se casaram. Haviam comprado de um fazendeiro escravocrata. Daí a fama das assombrações. Diziam que em noites enluaradas podia-se ouvir a lamúria dos escravos sendo açoitados. No entanto, apesar de assustador, este não é o motivo de minhas lembranças.
Quando nasci, os oito filhos já haviam partido e o movimento a fazenda se dava mesmo durante as férias quando tios, tias, primos e primas enchiam aquela imensidão de gritinhos, histórias, cheiros dos mais diversos pratos e principalmente alegria.
Nas “produções” culinárias da casa, especial destaque era dado aos doces: doce de goiaba e banana em calda ou em pedaços feitos em um enorme tacho de bronze, em uma fornalha no terreiro; doce de mamão verde ralado, feito no fogão a lenha (fogão a gás nem pensar); mingau de milho verde com canela em pó; e a rapadura produzida por meu avô em um antigo engenho.
Minha avó guardava tudo isto, a sete chaves, em um quarto localizado no centro da casa, sem janelas, e por isto batizado de “Quarto Escuro”. Trancava para que pudéssemos comer aos poucos, sem passar por nenhum desconforto intestinal, creio eu. De qualquer forma, no “Quarto Escuro” estavam localizados os desejos mais saborosos de todos os netos que eram presenteados aos bocados.
As brincadeiras (cabra cega, casinha, bonecas de milho, pique, queimada); as frutas (coco, coquinho, lima, mamão, laranja serra d’água, banana, mexerica); as pescarias, onde o mais emocionante era a caça às minhocas; e a divertida aventura nas enxurradas pós chuvas de verão, tenho certeza, permanecerão nas lembranças de todos.
Mas, o que toca o coração e às vezes traz um sentimento nostálgico, é a lembrança do som que o chinelo do meu avô produzia quando era arrastado pelas madeiras do assoalho. Este som, naqueles tempos, nos trazia um medo “gostoso” que fazia com que todos se acomodassem em suas camas e brevemente encontrassem o sono. Hoje pode ter se tornado o símbolo de uma família que tinha muito respeito, carinho e amor por seus criadores.
Infelizmente, nossa casa foi demolida quando vendida, logo após a morte de meus avós, sob o olhar pesaroso dos filhos. Mesmo assim, seu bem maior, a magia que encantou a cada um de nós estará sempre guardada em nossos corações.
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MINHA CASA CONTA HISTÓRIAS
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A casa está lá, viva.
Poucas mudanças. Mamãe, com quase oitenta anos, nos esperando com seu sorriso fácil, comida e ladainha nordestinas.
Tinha um ano quando mudei para a nossa casa. Não precisava de muros, os vizinhos tomavam conta uns dos outros. Na varanda, ouvia histórias, à noite, deitada na rede e olhando para as lagartixas. No quintal, o tronco do abacateiro virava janela e a goiabeira sofria com o balanço e meus sonhos de trapezista. Coqueiro, mangueira, mamoeiro, bananeira, antúrios, samambaias, onze-horas, roseiras, muitos sabores e cores. Oh, deu bem-me-quer!
Galinhas, só para comer os ovos, tínhamos pena de matá-las. Um dia a cabra pariu e fui proibida de assistir. O gato Mamão sumiu e virou tamborim. Nunca mais quis saber desses ingratos. Vários cachorros, todos muito queridos. Tristão e Isolda,o casal de periquitos; Tancredo e Risoleta, os cágados. Isto é uma casa ou um sítio?
Lembro-me do vovô sentado perto da cristaleira, quando veio nos visitar, e dos longos cabelos da vovó Amélia. Compraram uma máquina de costura para minha mãe trabalhar e uma cadeira de balanço para mim. Veio se despedir, foi-se na Semana Santa, antes da cegonha chegar com minha irmã. Parecia uma índia! A fralda de tecido branco luzia em sua morenice.
As brincadeiras eram muitas; os brinquedos, poucos. Tenho o Tonico e a Melindrosa até hoje. Quero uma neta.
A primeira televisão foi a nossa festa e da vizinhança. Casa cheia para assistir às novelas e ao programa do Bolinha.
Meu pai era um construtor de idéias. A ambulância levou seus silêncios e sonhos. Sua bênção, pai. Deus te abençõe, minha filha. Nossas últimas palavras.
Festa junina, formatura, aniversário, casamento, nascimento... Tantas lembranças.
As borboletas sumiram, mas os passarinhos ainda cantam e as maritacas anunciam sua chegada.
O jasmineiro ainda perfuma a noite. Onde estão aos vagalumes?
Cada canto guarda seus segredos, sorrisos e lágrimas.
Há mistérios por desvendar.
Minha casa conta muitas histórias para quem quiser ouvir e sonhar.
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A MINHA CASA
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Minha casa tem muitas cores. Quando estou triste, fica meio acinzentada, meio pálida. Mas se chega algum amigo, logo se pinta de amarelo ouro, da cor do sol de verão!
Minha casa é pequena, quando os cachorros querem entrar e as crianças querem sair! Mas ás vezes é tão grande, quando só estou.
Minha casa é barulhenta, quando escuto minhas músicas, mas só gosto quando alguém me pede para baixar o volume. Qual graça há em escutar som alto sozinha?
Minha casa é luxuosa, quando famintos nos sentamos á mesa e Deus nos brinda com delicioso alimento! Minha casa é tão pobrezinha, quando abro a geladeira e penso se vou comer, pois hoje ninguém virá para almoçar...
Minha casa tem playground durante o dia, em dia chuvoso, quando sofá vira parquinho, e á noite, já bem tarde, vira poltrona de cinema, para namorar juntinho!
Minha casa é palácio, é mansão e é casebre, palafita ou barraco. Só não pode deixar nunca de ser sempre meu refúgio, meu sossego, minha bagunça, pois sem ela não me acho e sem ela não existo.
Minha casa é qualquer uma, onde tenha um amigo, um irmão ou um amor. É onde me sinto bem, onde encontro calor, pois já estive em mansão, de muito luxo e desamor, e por isso, hoje em dia, minha casa tem várias formas, de acordo com meu humor!
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NA CASA QUE MOREI HAVIA UMA SALA DE AULA
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Ainda me lembro que meu pai ensinava dentro de casa, na varanda...
Eu tinha quatro anos... Havia palmatória e também castigo de joelhos para quem não o obedecesse ou não cumprisse com as obrigações de estudante (1962). A cidade chama-se Poço Verde, e o lugarejo, “Lagoa de Cima”. O nome Lagoa de Cima foi dado porque a casa ficava ao lado de uma lagoa (um pequeno açude chamado lagoa). Hoje nem há mais lagoa...
Foi nesse lugar que nasci e morei até os meus quatro anos de idade. Portanto, são poucas as lembranças... Fiquei adulta e voltei para ver a casa onde nasci, mas, a lagoa, que parecia tão grande, agora nem existe mais! Lembro que havia peixes e plantas verdes. Ainda tenho a nítida lembrança do meu pai preparando a rede para pescar naquela lagoa. Ele pescava muitas traíras e piabas. Lembro também do pé de umbu que ficava ao lado da porteira que dava para a lagoa. Foi por essa porteira que certo dia presenciei um passeio de cobra. A cobra ia atravessando o caminho que dava para a lagoa... Talvez eu fosse muito baixinha para comparar o tamanho da cobra, que era ENORME! A cobra era tão grande que, enquanto atravessava o caminho, eu não podia ver onde encerrava sua cauda... Dizem que o nome daquela cobra era “papa-pinto”, porque ela gostava de comer os pintinhos das galinhas ainda dentro dos ovos chocados.
Bem, a casa era uma espécie de lingüiça, começava com o pé-direito, depois tinha a varanda (sala de aula), a sala de visitas, a despensa ou casa de farinha, um corredor com três quartos, um ao lado do outro. No corredor também havia uma espécie de “hall’, onde ficavam instalados os potes para tomar água. Não havia água potável e nem tampouco, água encanada! A água que tomávamos era a mesma água da lagoa. Na casa, havia mais uma sala de estar, mais um quarto, a cozinha com fogão à lenha e o banheiro, que era uma casinha do lado externo. Também do lado externo da casa ficavam o galinheiro, o chiqueiro, o curral e um galpão para guardar milho, feijão e mandioca. Havia uma plantação enorme de cactus! Esses serviam de alimento para os animais. Só que me disseram que na época de muita seca, as pessoas tomavam o líquido do cactus! Acho isso impressionante! Do lado oposto à plantação de cactus, ficavam o lago e as demais plantações. No quintal da casa, havia um enorme pé de primavera no qual eu brincava de casinha com a minha prima Iracy. Também havia um pé de açucena (planta da família das Amarílis). Essa açucena dava uma flor branca e azul, linda! Dizem que ali eram enterrados os cordões umbilicais dos meus irmãzinhos. Onze faleceram logo ao nascer! Eu sobrevivi para contar essa estória! O meu cordão umbilical também ficou no pé de açucena. Isso acontecia porque não havia maternidade na região. As crianças nasciam em casa mesmo, a enfermeira era uma parteira... As açucenas floriam mais ou menos no inverno e ficavam por um bom tempo. Depois só floriam novamente no ano seguinte. Incrível! Quem cuidava do jardim e das açucenas era uma das minhas irmãs, a Maria da Glória. Ela adora cuidar de plantas até hoje! Tanto é, que o jardim da sua casa é bem parecido com o jardim da Lagoa de Cima... Hoje da Lagoa de cima tenho apenas a foto do pé de umbu. A casa só existe na minha lembrança.
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11 de abr. de 2008

OBRAS DE CECÍLIA MEIRELES !


Espectros, 1919
Criança, meu amor, 1923

Nunca mais... e Poemas dos Poemas, 1923
Criança meu amor..., 1924
Baladas para El-Rei, 1925
O Espírito Vitorioso, 1929
Saudação à menina de Portugal, 1930
Batuque, Samba e Macumba, 1935
A Festa das Letras, 1937
Viagem, 1939
Vaga Música, 1942
Mar Absoluto, 1945
Rute e Alberto, 1945
Rui — Pequena História de uma Grande Vida, 1949
Retrato Natural, 1949
Problemas de Literatura Infantil, 1950
Amor em Leonoreta, 1952
Doze Noturnos de Holanda & O Aeronauta, 1952
Romanceiro da Inconfidência, 1953
Batuque, 1953
Pequeno Oratório de Santa Clara, 1955
Pistóia, Cemitério Militar Brasileiro, 1955
Panorama Folclórico de Açores, 1955
Canções, 1956
Giroflê, Giroflá, 1956
Romance de Santa Cecília, 1957
A Bíblia na Literatura Brasileira, 1957
A Rosa, 1957
Obra Poética,1958
Metal Rosicler, 1960
Poemas Escritos na Índia, 1961
Poemas de Israel, 1963
Antologia Poética, 1963
Solombra, 1963
Ou Isto ou Aquilo, 1964
Escolha o Seu Sonho, 1964
Crônica Trovada da Cidade de Sam Sebastiam no Quarto Centenário da sua Fundação Pelo Capitam-Mor Estácio de Saa, 1965
O Menino Atrasado, 1966
Poésie (versão para o francês de Gisele Slensinger Tydel), 1967
Antologia Poética, 1968
Poemas italianos, 1968
Poesias (Ou isto ou aquilo & inéditos), 1969
Flor de Poemas, 1972
Poesias completas, 1973
Elegias, 1974
Flores e Canções, 1979
Poesia Completa, 1994
Obra em Prosa - 6 Volumes- Rio de Janeiro, 1998
Canção da Tarde no Campo, 2001
Episódio humano, 2007

Manuel Bandeira comentando METAL ROSICLER

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REBANHO DE CANTIGAS
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Cecília Meireles: Metal Rosicler
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METAL ROSICLER: Que título para um livro de poesia ! Só ele já é todo um poema. Não foi invenção de Cecília; a expressão existia na língua, mas muito escondida nessa rica mina que é a obra de Antonil Cultura e Opulência do Brasil, onde o poeta foi garimpá-la. De Cecília é o símbolo que ela pôs na
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Negra pedra, copiosa mina

Do pó que imita a vida e a morte;

- e o metal rosicler descansa.

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A poesia de Cecília é triste, mas de uma tristeza que jamais chora ou grita. Seu luto é todo reflexivo e muitas vezes chega a sorrir em “acasos de esperança”. Poesia que ensina a sofrer conformadamente. Os poemas de Cecília são “rebanhos de cantigas, felizes de solidão”. Leiam-se estas três quadras em que chuvas, jasmins, jardins e nuvens se compõem em perfumes de eternidade:
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Chovem duas chuvas:
de água e de jasmins
e por estes jardins
de flores e nuvens.
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Sobem dois perfumes
por estes jardins:
de terra e jasmins,
de flores e chuvas.
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E os jasmins são chuvas
e as chuvas , jasmins,
por estes jardins
de perfume e nuvens.
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Todos os poemas de Cecília são assim: perfeitos:
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Cada palavra em seu lugar
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
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Algum poeta moderno terá chamado burguesa à rosa. Cecília defende a flor preferida de Rilke, a flor que ele tornou imarcescível para o seu túmulo no famoso epitáfio. Freqüentemente há uma rosa na poesia de Cecília, revelando-nos “a razão de ser bela em manhã breve pra a derrota de todas as tardes”.E foi com uma rosa, por ela mesma desenhada, que Cecília me dedicou rosiclermente o seu último livro, do melhor rosicler. Obrigada, mestra a amiga.
[29.V.1960].
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Manuel Bandeira. Andorinha, Andorinha, Editora José Olympio, p.211-212

24 de fev. de 2008

CECÍLIA MEIRELES, MODERNA DESCOBRIDORA


HISTÓRIA, MEMÓRIA E MEMORIALÍSTICA
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Margarida de Souza Neves
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A proposta que trago para esse encontro de hoje é expor alguns aspectos da pesquisa que desenvolvi sobre Cecília Meireles e a questão da infância, no âmbito de um Projeto Integrado de Pesquisa financiado pelo CNPq e vinculado ao grupo PRONEX sediado no Departamento de História da PUC-Rio e que pretende analisar a produção de alguns intelectuais brasileiros considerando-os como Modernos descobridores do Brasil. Nessa perspectiva, Cecília Meireles e Monteiro Lobato representavam, no conjunto de autores analisados, um sub-conjunto de escritores que, para além de seus próprios roteiros e descobrimentos na incessante busca de decifrar o enigma deste país, preocuparam-se com a formação de futuras gerações de descobridores, e, por isso, publicaram para crianças, escreveram sobre educação, e debruçaram-se sobre a experiência da infância como uma das idades da vida.
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POR MARES POUCAS VEZES NAVEGADOS.Cecília Meireles e a literatura infantil

POR MARES POUCAS VEZES NAVEGADOS.Cecília Meireles e a literatura infantil.
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Margarida de Souza Neves

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1. Viagens:
[1]
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“Mandei armar meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!”
Cecília Meireles: Prazo de vida
IN: Mar Absoluto
Poesia Completa p. 270
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No dia 10 de dezembro de 1964 Tristão de Athaíde publicou no Jornal do Brasil uma crônica em que homenageava duas figuras femininas exponenciais na cultura brasileira e então recentemente falecidas: Anita Malfatti e Cecília Meireles.
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Sete anos mais tarde, esta mesma crônica passaria a compor o livro que, com seu nome próprio de Alceu Amoroso Lima, publicou com o título de Companheiros de Viagem[3], fugindo assim, por vontade do autor, ao destino efêmero de sua publicação num jornal diário.
Nela Tristão/Alceu parecia querer acertar contas com um passado remoto, e aplanar, diante da morte, o abismo que sempre se mantivera entre ele e Cecília.
A desavença tivera início em agosto de 1930, quando Alceu havia participado, juntamente com Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor Vítor[4], como membro da banca do concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola Normal do Distrito Federal, um concurso concorrido e tenso, realizado em meio aos embates entre escola-novistas e católicos pelo controle da trincheira da educação nos anos 30. Oito candidatos se apresentaram, e desses apenas dois chegaram à etapa final constituída pela prova de aula, já que três deles não conseguiram ter suas teses aprovadas e três desistiram do concurso em razão da superioridade nítida das notas obtidas na prova de defesa de tese por dois dos candidatos: Cecília Meireles e Clóvis do Rego Monteiro[5]. Cecília ficou classificada em segundo lugar no concurso.
O resultado do concurso parece ter marcado profundamente tanto a Cecília quanto a Alceu. [6]
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A ESCOLA, A CRIANÇA E A LITERATURA INFANTIL

A escola , a criança e a literatura infantil
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Luciana Borgerth Vial Corrêa

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O perfil do intelectual que se afirma ao longo da década de 1920 é o do indivíduo que possui um saber especializado – o cientista. Cecília Meireles, reconhecidamente uma poeta, também se destacava, no meio intelectual, por ser detentora de um saber especializado – a pedagogia, sustentada pela psicologia. Em outras palavras, era uma educadora.

Formada em 1917 pela Escola Normal, a escritora ingressa no magistério público. Suas atividades educacionais, no entanto, não se resumem à prática da sala de aula. Envolvida com a pedagogia moderna, a professora não apenas assumiu uma coluna diária intitulada "Comentário " no jornal Diário de Notícias, mas também foi responsável pela "Página da Educação" neste jornal no período de 1930 e 1933.[1] Foi nessa época, mais precisamente em 1932, que a educadora assinou o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Uma outra série de crônicas da autora foi publicada entre 1942 e 1945, no jornal A Manhã, nas quais aparecem mesclados temas culturais e educacionais.
Sempre articulando as questões literárias às questões educacionais, Cecília Meireles ministrou um curso para professores da prefeitura de Belo Horizonte, em 1948, o qual resultou no livro Problemas da literatura infantil, publicado em 1952. Nesse caminho, a autora escreveu, também, ao longo de sua vida, livros para crianças.[2]
São questões centrais para Cecília Meireles educadora a escola e a formação do leitor. Procuraremos discuti-las através da importância da literatura infantil no processo de educação e o modo como a autora trabalha as relações assimétricas que se estabelecem entre o autor e o leitor , na literatura infantil.
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http://www.historiaecultura.pro.br/modernosdescobrimentos/desc/meireles/frame.htm

ENTRE OS SÍMBOLOS E A VIDA: POESIA, EDUCAÇÃO E FOLCLORE

Entre os símbolos e a vida: poesia, educação e folclore.
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Joana Cavalcanti de Abreu


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“Aí, já é pleno mundo da poesia. O povo - quando é povo deveras –
navega por ele à vontade, e entre os símbolos e a vida,
não percebe diferenças.” (Meireles. 1968a)
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Renato Almeida, um dos principais articuladores do movimento folclórico brasileiro, ao homenegear Cecília Meireles por ocasião de sua morte em 1964, enfatizou e reverenciou uma entre as tantas atividades a que Cecília se dedicou ao longo da vida: a de folclorista:

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“Desnecessário realçar aos folcloristas o quanto devemos a Cecília Meireles. Seu trabalho de tantos anos a nosso lado, nas nossas lutas, na defesa das tradições populares, é de todos conhecido. [...] Não vou falar de Cecília Meireles poeta, o poeta que foi dos maiores de nossa língua, como frizou Manuel Bandeira, vou recordar apenas a folclorista...” (Almeida.1964, p.7).

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O estudo do folclore constituiu um dos campos a que Cecília se dedicou paralelamente a suas atividades literárias e pedagógicas. Entre 1926 e 1933 já a encontramos interessada no assunto, produzindo regularmente uma série de desenhos com a finalidade de estudar gestos e ritmos ligados à cultura negra no Rio de Janeiro
[1]. De 1942 e 1944, Cecília escreveu crônicas semanais para o jornal A Manhã, muitas delas tendo como ponto central o folclore infantil. A partir de 1947, convidada a integrar a recém-criada Comissão Nacional de Folclore, Cecília começou a relacionar-se regularmente com o Movimento Folclórico, participando de muitos de seus eventos, discussões e publicações.
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http://www.historiaecultura.pro.br/modernosdescobrimentos/desc/meireles/frame.htm

23 de fev. de 2008

“PAVILHÃO MOURISCO”: BIBLIOTECA E EDUCAÇÃO

“PAVILHÃO MOURISCO”: BIBLIOTECA E EDUCAÇÃO
EM CECÍLIA MEIRELES

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Jussara Santos Pimenta
PUC-RIO
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A vida faz-se de sonho,
mas de sonho clarividente.
A educação tem de ser o sonho e a clarividência
de cada um, conciliados definitivamente,
no ritmo de todos”.
(Cecília Meireles)
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Esse texto tem como objetivo apresentar alguns aspectos do trabalho de Cecília Meireles relativo à divulgação da leitura e do livro infantil à frente da primeira biblioteca pública infantil brasileira, localizada no Pavilhão ou Espaço Mourisco, inaugurada em 1934, articulando-o à gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal. Caracteriza-se, metodologicamente, como uma pesquisa histórica na perspectiva assinalada, utilizando como base material de análise o conjunto de textos que constam na obra de Cecília Meireles (especialmente os Comentários da Página de Educação do Diário de Notícias, bem como sua correspondência pessoal com Fernando de Azevedo)[1]; a obra e documentos de Anísio Teixeira que constam do seu arquivo pessoal no CPDOC (sobretudo o que se refere à Reforma de Instrução Pública no Distrito Federal em 1931-1935); a obra e os documentos encontrados no arquivo Fernando de Azevedo (IEB-USP); a obra de Armanda Álvaro Alberto (inclusive o livro de atas da Seção de Cooperação da Família da ABE - Associação Brasileira de Educação); bem como outros documentos que têm ligação estreita com o tema proposto para investigação: documentos referentes ao Pavilhão Mourisco que constam no Arquivo da Cidade; jornais da época, encontrados na seção de periódicos da Biblioteca Nacional e nos arquivos do jornal O Globo, depoimentos, cartas e entrevistas.

São objetivos e contribuições desse trabalho: entender o Espaço Mourisco como um celeiro de idéias e pesquisas pedagógicas que pode ajudar a esclarecer aspectos relevantes da nossa história educacional; ajudar a entrever outras facetas do movimento da Educação Nova; trazer uma contribuição ao estudo da obra pedagógica de Cecília Meireles; utilizar a abordagem histórica dos fatos da educação como um instrumento indispensável para a análise das situações do presente; subsidiar investigações posteriores que tomem como objeto a biblioteca escolar, relacionando-a às políticas sociais de atendimento à escola das classes populares.
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PAVILHÃO MOURISCO

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Biblioteca de Cecília Meireles
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8 de março – Neste dia, recordando Dona Cecília

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“Tenho certas tentações de me declarar comunista oficialmente, para ver se arranjo uma subvenção de Moscou... Porque, de outro modo, tudo está obscuro demais, embora para uma fundação lendária, instalada num pavilhão de vidro, e dirigida por uma criatura tão improvável como eu...” Cecília Meireles
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A biblioteca infantil, inaugurada em agosto de 1934, foi um dos projetos mais ambiciosos da reforma de Anísio Teixeira e um espaço onde Cecília Meireles pôde desenvolver sua criatividade e seu empenho em favor da literatura infantil. Situada na enseada de Botafogo, era conhecida pela população como Pavilhão Mourisco. Tornou-se um dos grandes empreendimentos culturais da reforma e destinava-se a ser a Biblioteca Infantil do Distrito Federal, mas se transformou num centro de cultura infantil, já que extrapolava os objetivos de uma simples biblioteca, pois conjugava outras atividades como o cinema, música, cartografia, jogos, etc. um verdadeiro órgão de pesquisa. A biblioteca era freqüentada por estudantes das escolas públicas que para lá se dirigiam após terminadas as aulas. Lá desenvolviam atividades de biblioteca e também o seu senso estético e artístico. Inspirado na arquitetura do prédio o artista plástico Fernando Correia Dias, primeiro marido de Cecília Meireles, compôs um cenário das Mil e Uma Noites que proporcionava aos freqüentadores uma atmosfera de encantamento e fantasia.
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Continue lendo esse texto, você vai adorar o depoimento da poeta Geir de Campos sobre as suas lembranças de infância lá no Pavilhão Mourisco
http://www.amabotafogo.org.br/2006/mourisco.asp

LIBERDADE E RESISTÊNCIA EM CECÍLIA MEIRELES

Liberdade e resistência em Cecília Meireles
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Cladismari Zambon de Moraes
(cladismari[arroba]hotmail.com
http://br.geocities.com/czambon2/)
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Resumo
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As crônicas de Cecília Meireles nos apresentam uma escritora e jornalista crítica e engajada em seu tempo. Seu anseio por liberdade e sua posição contrária às condições políticas que ditavam as normas que regiam a Educação foram temas constantes de sua obra em prosa. As duas crônicas escolhidas nos remetem à função própria do cronista em sua inserção na sociedade.
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Palavras-chaves: Crônica, Cecília Meireles.
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Antônio Cândido, em A vida ao rés-do-chão considera a crônica um gênero menor, o que a deixa mais perto da realidade do leitor, ajustando-se à sensibilidade do dia-a-dia. Em sua despretensão, humaniza e é essa humanização que lhe confere certa profundidade de significado. A crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas ou das pessoas. É amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais fantásticas e diretas (CÂNDIDO, 1992: 13-14). São vários os significados da palavra crônica. Todos, porém, implicam na noção de tempo, presente no próprio termo que procede do grego chronos. Arrigucci chama nossa atenção para esse vínculo de origem que liga o texto a um registro de vida, a um fato histórico que pode não ser percebido pelo leitor, mas que está sempre presente na crônica (ARRIGUCCI, 1979: 51). Ao nos propormos, então, a refletir sobre crônicas que determinados autores escreveram, é importante situarmos no tempo e no espaço as circunstâncias que provocaram aquelas palavras. Caso contrário, a crônica perde o sentido e passa a ser entendida com base em experiências próprias do leitor, numa compreensão muitas vezes distante de seu objetivo principal.
Cecília Meireles passou a maior parte de sua vida diante de uma máquina de escrever. Embora seja mais conhecida por sua obra em verso, a "pastora das nuvens" que fala da transitoriedade da vida, do efêmero e do subjetivo em suas poesias mostra outra face em sua numerosa obra em prosa. De 1920 a 1964, quando sua última crônica foi publicada na Folha de S.Paulo, a escritora escreveu cerca de 2.500 crônicas. Sua estréia na redação de um jornal se deu em 1930, década marcada pela transição de duas grandes guerras e, no Brasil, pela revolução de outubro. Na imprensa pipocavam jornais de adesão ao novo regime. Assim surgiu o "Diário de Notícias", em junho de 1930. Mais do que um simples matutino, o jornal trazia uma seção diária dedicada à educação e à política, a "Página de Educação", cuja diretora era Cecília Meireles. Jornalista liberal, crítica, engajada, partidária incansável das liberdades individuais, lutava pela instauração de uma república democrática, bem diferente daquela regida pelo populismo autoritário do regime que se descortinava após a revolução. Acreditava na liberdade e na criatividade contra a opressão e a massificação da educação.
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A POESIA NA LITERATURA INFANTIL

A Poesia na Literatura Infantil
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Francisco Costa
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Em princípio, a priori, assim como não há, na verdade uma Literatura Infantil, direcionada no ato de criação, pelo autor, não existe, a bem da verdade, uma Poesia Infantil. Duas hipóteses parecem justificar esta conclusão, a qual apenas é endosso meu, do pensamento lúcido de Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. A poesia para crianças, é, em essência, a mesma obra de arte para o adulto. Ou temos vergonha, diante de um momento poético despojado de complexidade, vergonha de assumir que ele nos impressionou, ou ainda temos aquela idéia velhíssima de que criança é criatura em grau diminutivo, dotada de pouca percepção, limitada em recursos, um homúnculo a quem se deve minimizar conteúdos e reduzir os obstáculos.
A simplicidade de linguagem e um repasse cristalino de mensagem não impedem a feitura de um grande poema (e não um poema grande) nem comprometem a verticalidade de uma abordagem.
O que não me parece viável nem honesto é adaptar, construir uma "simplicidade" falsa, denotativa pela falta de coragem de trabalhar um caminho de acesso ou por acreditar seja a criança um ser reprodutivo, um claudicante observador, incapaz de direcionar sua própria descoberta.
O simples nunca foi o fácil, e nisto reside a confusão maior deste questionamento. Ninguém pode imaginar quanto sofre um poeta, quanto exige de si mesmo para alcançar o que Drummond chama de estado de simplicidade.

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http://www.secrel.com.br/jpoesia/@fc01.html

ANÁLISE DE “ ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA”

Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meirelles
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Análise da obra
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Apesar de ser essencialmente lírica, subjetiva e pessoal, Cecília Meireles não deixou de realizar a chamada poesia social.E mesmo neste campo, o poeta afirmou sua subjetividade ao fato histórico. Foi no movimento da Inconfidência Mineira, com suas lendas, tradições, sua atmosfera de almas penadas, de bruxas, de enforcados, de suicidas, que sua sensibilidade buscou o social. Esta busca do social afinou ainda mais o seu instrumento lingüístico. De fato o Romanceiro da Inconfidência é a combinação de sensibilidade poética, domínio absoluto da linguagem, erudição e pesquisa histórica. Antes de tudo, o que se destaca nesse livro é a sua rigorosa unidade. O Romanceiro desenha-se como uma obra que tem cabeça, tronco e membros, e que leva a cabo um assunto difícil. De fato, Cecília Meireles não faz poesia-manifesto nem de programação política. A visão histórica e social não influenciou sua expressão poética. Ao contrário, o mito e a dimensão histórica surgem da riqueza poética
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http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/r/romanceiro_da_inconfidencia

VIAGEM: A METAPOESIA EM CECÍLIA MEIRELES

VIAGEM: A METAPOESIA EM CECÍLIA MEIRELES
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André Luiz Alves Caldas Amóra (UniverCidade)
Tatiana Alves Soares Caldas (UNESA e UniverCidade)
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Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes.
(Cecília Meireles)

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A poesia brasileira, na segunda fase do modernismo, vivia seus melhores momentos. Era uma geração despreocupada com as questões imediatistas da geração de 22. Percebe-se, do ponto de vista literário, uma maturidade, pois não há mais a necessidade de escandalizar os meios acadêmico-culturais - tônica da Geração de 22 -, mas de levar adiante o projeto de liberdade de expressão. Nota-se a presença de versos livres e de sonetos voltados para as questões universais do homem e para os problemas de uma sociedade capitalista. Verificam-se ainda reflexões sobre o fazer poético, além do misticismo e da religiosidade.
Nessa fase encontram-se poetas como: Carlos Drummond de Andrade, com poesias sociais e de combate e reflexões sobre o papel do homem no mundo; Jorge de Lima, com poesias metafóricas e metafísicas; Murilo Mendes, com poesias surrealistas; Vinícius de Moraes, cuja poesia caminha cada vez mais para a percepção material da vida, do amor e da mulher, e Cecília Meireles, que envereda pela direção da reflexão filosófica e existencial, sendo a autora objeto deste estudo.
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964) é a primeira grande escritora da literatura brasileira e a principal voz feminina de nossa poesia moderna. Sua obra privilegia a riqueza do léxico, numa linguagem que explora os símbolos e as imagens sugestivas, sobretudo os de forte apelo sensorial, enveredando inclusive pela musicalidade.
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A TEMPORALIDADE EM CECÍLIA MEIRELES E FLORBELA ESPANCA

A TEMPORALIDADE EM CECÍLIA MEIRELES E FLORBELA ESPANCA
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INGRID DE ASSIS CARVALHO FERRO E SILVA
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UNAMA – UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA CURSO DE LETRAS

BELÉM-PARÁ
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Trabalho de graduação apresentado ao Curso de Letras e Artes da Universidade da Amazônia,
como requisito para obtenção do grau de Licenciatura Plena, orientado pela professora mestra Nelly Cecília Paiva Barreto da Rocha.
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“Pois todos os nossos dias se
passam acabam-se os nossos anos
como um breve pensamento”.
Salmo 90:9

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SUMÁRIO
Introdução................................................pág. 1 / 2
Cecília Meireles, em Prosa ............................pág. 3 / 6
Florbela Espanca, em Prosa ...........................pág. 7 / 9
Poema Cecília Meireles ................................pág. 10
Cecília Meireles e Florbela Espanca, em Poesia ....pág. 11 / 29
Conclusão ................................................pág. 30 / 31
Referências Bibliográficas .............................pág. 32 / 33

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INTRODUÇÃO
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901- 1964) e Florbela de Alma da Conceição Espanca (1894 - 1930) contemplaram a mais sublime arte da palavra: a poesia. Como muitos artífices, elas souberam trabalhar papéis brancos e palavras soltas, a tessitura certa para cantar a vida e revelar o que se ia no mais profundo íntimo de suas almas, acalentadas pelo silêncio e pela solidão do mundo.
Essas Poetas abriram suas vidas, o diário íntimo de seus instantes onde palpitavam suas ânsias, seus prazeres, suas constantes lutas pela vida.
Aqui, rompe-se a linha do tempo, ultrapassa-se as épocas e unem-se os cantos poéticos de Cecília e Florbela em um só fio, o fio vivificador da vida, que faz com que a voz destas damas e mestras da arte poética, se reproduza e seja ouvida por aqueles
que procuram a Poesia.
Em cada poema encontra-se o mais puro sentimento, a feminilidade deduas mulheres que souberam viver, em meio às grandes perdas e lutas diárias, transformando suas dores em dons poéticos.
Cecília e Florbela não se integram, somente, a um único e breve instante.
Suas vozes quebraram os limites do espaço temporal. Por isso, fizeram-se atemporais.
Neste Trabalho, comparam-se alguns textos das duas Poetas da Literatura Brasileira e Portuguesa, com o intuito de mostrar como é trabalhada a transitoriedade da vida, o significado do tempo, a efemeridade de cada minuto de existência.

Divide-se, assim, em duas partes :
I. a primeira, “Cecília Meireles e Florbela Espanca em Prosa”
corresponde a um breve relato de suas vidas. Momentos que influenciaram suas
caminhadas enquanto poetas;
II. a Segunda parte “Cecília Meireles em poesia” e “Florbela Espanca em
poesia” corresponde ao desenvolvimento do tema. A preocupação temporal e o que as faz
atemporais. Que o tempo alie-se a nós na busca, incessante, pela poesia.

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http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/monografias/Atemporalidade.pdf

ARTISTA DA PALAVRA, CECÍLIA MEIRELES MOSTROU O MUNDO EM PROFUNDIDADE

Artista da palavra, Cecília Meireles mostrou o mundo em profundidade
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Cecília Prada
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"Sua alma é com certeza milenar, na consciência com que desce às raízes do sentimento poético, considerando a sua fatalidade, e ao mesmo tempo deixando-se levar na ciranda aparentemente inútil dos sonhos, idealizações e freqüentes nostalgias de um estado ideal e perfeito de pulsar."
Walmir Ayala
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Circunstâncias trágicas marcaram o início da vida de Cecília Meireles, nascida no Rio de Janeiro a 7 de novembro de 1901 e na mesma cidade falecida em 9 de novembro de 1964. Seu pai, Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil, morreu aos 26 anos de idade, três meses antes de a filha nascer. Sua mãe, a professora municipal Matilde Benevides, morreu quando ela tinha 3 anos. Sozinha no mundo com a única remanescente da família, sua avó materna Jacinta Garcia Benevides, Cecília foi obrigada a manter "uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno que, para outros, constituem aprendizagem dolorosa e, por vezes, cheia de violência" (entrevista a "Manchete", 1959).
No entanto, lembrava sua infância de menina sozinha, que aprendia a cultivar como dons o silêncio e a solidão, como uma época maravilhosa – um fecundo tempo de aprendizado da realidade, o armazenamento de memórias, impressões e sensações que perdurariam, dando-lhe o material de sua imensa obra ("Grande aula, a do silêncio").
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FERNANDO PESSOA E CECÍLIA MEIRELES: O ENCONTRO ENTRE POESIA E CRIANÇA

Fernando Pessoa e Cecília Meireles: o encontro entre poesia e criança
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Alice Áurea Penteado Martha
Universidade Estadual de Maringá (Brasil)
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Quando as crianças brincam
Eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
[...]
(Pessoa, 1965, p.169)
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Considerações iniciais
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Com este texto pretendemos considerar, a partir da leitura de poemas de Fernando Pessoa e de Cecília Meireles, os recursos de que se valem os poetas para promover a mediação entre a produção poética e a criança. Os poemas do autor de Mensagem, publicados em épocas e volumes diversos, foram recolhidos no volume Fernando Pessoa. Comboio, saudades, caracóis (FTD, 1988), organizado por João Alves das Neves e revelam uma face pouco conhecida do poeta; os da escritora brasileira, reunidos no livro Ou isto ou aquilo (Nova Fronteira, 1987), vieram a público em 1965 e são inteiramente dedicados aos leitores infantis. É preciso enfatizar que não se trata, como a princípio poder-se-ia supor, de um estudo sobre os modos como a infância de ambos é refletida em sua produção poética, tema, aliás, do artigo publicado por Francisco Cota Fernandes, Fernando Pessoa e Cecília Meireles: a poetização da infância, na revista do Centro de Estudos Pessoanos, Persona 5, de abril de 1981. Trata-se, isto sim, de observar como ambos, grandes poetas da nomeada “poesia para adultos”, não reduziram a qualidade estética de sua produção quando o intento era chegar até seus pequenos leitores. Ambos souberam, ao dirigir-se à criança, como revitalizar a palavra poética, concedendo-lhe tratamento mágico, sem desrespeitar-lhe o estatuto artístico.
Há um dado biográfico interessante dos poetas que não deve ser desprezado, pois pode ser relevante para compreender as imagens da infância em seus poemas, mesmo em uma leitura mais introdutória como esta, que é a herança cultural açoriana de ambos, advinda do fato de terem sido criados em ambientes prenhes de sensações e cadências dos Açores. Fernando Pessoa, filho de mãe açoriana, convive ainda com outros integrantes da linhagem materna; Cecília Meireles, órfã de pai e mãe, na mais tenra idade, é educada pela avó materna, D. Jacinta Garcia de Benevides, também de origem açoriana, como a própria escritora observa: “[...] minha avó, com quem fiquei, depois de perder minha mãe, sabia muitas coisas do folclore açoriano, e era muito mística, como todos os de S. Miguel”. (MEIRELES, 1977, p.61)
Embora não tenhamos a intenção de ressaltar significativo número de poemas para a infância na obra de Fernando Pessoa, como ocorre com a produção poética de Cecília Meireles, é interessante observarmos o modo como ambos promovem, em textos das obras mencionadas, por meio da tematização do cotidiano infantil e pela adoção de um ponto de vista valorizador do anticonvencional, tanto da linguagem quanto do recorte do real, o encontro entre a poesia e a criança. Devemos enfatizar, ainda, que os poetas, ao se inspirarem no cotidiano e ao assumirem a ingenuidade da ótica infantil, incorporaram, na poesia para crianças, os princípios da lírica contemporânea, segundo os quais os temas mais prosaicos podem revelar intenso lirismo.

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ANÁLISE ESTILÍSTICA DO POEMA CRIANÇA, DE CECÍLIA MEIRELES

ANÁLISE ESTILÍSTICA DO POEMA CRIANÇA, DE CECÍLIA MEIRELES
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Alessandra Almeida da Rocha
(UERJ)
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Criança
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Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, - e resiste.
Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto, se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente...
Cabecinha boa de menino mudo,
que não teve nada, que nào pediu nada,
pelo medo de perder tudo.
Cabecinha boa de menino santo,
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto
Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuíria.
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No primeiro verso da primeira estrofe, o “eu” lírico inicia a descrição de um menino de maneira afetiva,quando coloca o substantivo “cabeça” no diminutivo “cabecinha”, reforçado, logo em seguida, pelo adjetivo “boa”. A palavra “cabecinha” é uma metáfora para a personalidade, ou seja, um menino de boas atitudes. Apesar disso, o menino é um ser triste.
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IMAGINÁRIO INDIANO NAS CRÔNICAS DE VIAGEM DE CECÍLIA MEIRELES

Imaginário indiano nas crônicas de viagem de Cecília Meireles
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Cássia Ducati
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"Cada lugar onde chego é uma surpresa e umamaneira diferente de ver homens e coisas."
(Cecília Meireles)
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Para representar artisticamente às experiências cotidianas da sociedade, o gênero literário que mais se adaptou e correspondeu as expectativas de escritores e de leitores foi a crônica. A crônica imita o cotidiano, o mundo do dia a dia, em que um café da manhã simples, solitário e comum pode vir a ser a matéria para a reflexão do homem moderno. Suas primeiras manifestações ocorrem, no Brasil, a partir do momento que o jornal tornou-se cotidiano. Em sua evolução, mudou o foco primeiro de sua função, que era a informação para o divertimento. Antônio Cândido comenta essa evolução:
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"Creio que a fórmula moderna, onde entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma."(Candido, p.15)
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Inicialmente a crônica pretendia o registro dos fatos e de suas circunstâncias respeitando uma ordenação cronológica, atualmente sua matéria admite também a subjetividade do narrador-autor. Como registrou Jorge de Sá, acrescida de "uma roupagem mais literária", a crônica transforma-se :
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"em vez do simples registro formal, o comentário de acontecimentos que tanto poderiam ser do conhecimento público como apenas do imaginário do cronista, tudo examinado pelo ângulo subjetivo da interpretação, ou melhor, pelo ângulo da recriação do real." (Sá, p.25)
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UM MAR COM VIAGENS: CECÍLIA MEIRELES E NATÉRCIA FREIRE

UM MAR COM VIAGENS: CECÍLIA MEIRELES E NATÉRCIA FREIRE
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Ana Maria Domingues de Oliveira
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FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
UNESP
ASSIS - SÃO PAULO – BRASIL
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Neste ano em que se comemora o centenário do nascimento de Cecília Meireles, é mais uma vez oportuno lembrar que sua obra é repleta de referências intertextuais à literatura portuguesa, matéria que tem sido objeto de meus estudos há alguns anos. Aqui,tentarei aprofundar o estudo de algumas dessas relações, através do confronto da obra ceciliana com a de Natércia Freire, poetisa e intelectual atuante no panorama cultural português do século XX.
As relações entre Cecília Meireles e Portugal foram sempre intensas, tanto do ponto de vista pessoal quanto literário. Descendente de portugueses e açorianos, a poetisa, desde muito cedo, teve contato com as tradições, a cultura e a arte portuguesas. Em 1922 casou-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, ilustrador de vários periódicos e livros em Portugal e no Brasil. Com ele, teve suas três filhas e, em sua companhia, viajou pela primeira vez a Portugal, em 1934. Nesse país era já então considerada autora de certo peso, desfrutando, até mesmo, de um reconhecimento que a própria crítica brasileira não lhe havia conferido. Durante essa estadia, Cecília Meireles travou contato com vários intelectuais portugueses, com os quais manteve correspondência depois de sua volta ao Brasil e até quase o final de sua vida. Entre tais intelectuais, encontram-se, por exemplo, David Mourão-Ferreira, Natércia Freire, Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões, e, nos Açores, Armando Côrtes-Rodrigues, Vitorino Nemésio e João Afonso.
Dez anos depois dessa viagem, Cecília Meireles publicaria, com prefácio e seleção de sua autoria, a antologia Poetas novos de Portugal, compondo um panorama bastante significativo da poesia portuguesa da primeira metade do século XX.
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